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sexta-feira, 19 de maio de 2017
Sobre o processo do filme "Amor Bandido"
Texto que foi editorial da Edição 1 do Zine Gueto Metragem sobre o primeiro filme da Série Olhar Clandestino
Por Daniel Neves
Anoiteceu, aquelas luzes amarelas dos postes são o palco onde gravamos a última cena, improvisamos o farol de um carro como refletor!
Por Daniel Neves
De que cinema estamos falando
Consigo
notar pela janela que ainda é noite, os postes ligados amarelam as ruas, alguns
deles estão sempre apagados, quebrados, largados, são a escuridão das esquinas
e escadões.
Não
tem como voltar a dormir, o tempo passa e aos poucos o sol da manhã se espalha
pelo bairro, hoje é o dia, não pode passar de hoje, vamos gravar um filme
enquanto outro se passa na minha cabeça.
Vai ser na casa do
nosso mano André, ele emprestou o quartinho do fundo pra gente usar de cenário.
Até que tem ônibus daqui pra lá, mas de domingo nem dá pra contar, os caras só
disponibiliza busão de dia de semana, quando temos que trabalhar.
Vou na caminhada. Passo
pelas ruas da quebrada e me lembro de quando escrevi o roteiro, uma história
que nascia naquelas esquinas, no sofrimento de tantos e tantas que passaram o
veneno do mundo do crime.
Cheguei, já enxergo
alguém, é o Marcão que veio somar na câmera, ele conversa com o André que é o
diretor de arte. Estou ansioso, mas cada vez mais tranquilo, parece que vai dar
tudo certo. Aos poucos, vai colando toda galera, a Janaina que preparou os
atores, o produtor Caio, o fotógrafo Renato, a Bárbara da produção, o Thomas do
áudio, o Danilo que vai tá também na câmera, o Galdino que veio somar e, claro,
a atriz Beth e o ator Lucas, que vão fazer o papel de Valéria e Wellington. O
filme se chama Amor Bandido e fala de um amor que não pode acontecer devido à
vida loca.
(Preparação de elenco)
Organizamos o rateio do
rango, o filme é feito sem nenhum centavo além daqueles tirados do próprio
bolso de quem acredita na ideia e veio compor a equipe. Contamos também com a
ajuda de uma infinidade de pessoas amigas.
Debatemos e realizamos
cada parte do processo, figurino, cenário, luz, enquadramento, som, atuação,
são muitas dúvidas, ninguém tem formação em cinema, aprendemos ali. A cada
Plano, a cada Tomada, a troca permanece. Dura o dia todo.
Anoiteceu, aquelas luzes amarelas dos postes são o palco onde gravamos a última cena, improvisamos o farol de um carro como refletor!
Enfim, conseguimos!!! Conseguimos?
Numa manhã de sexta -
feira, eu e Marcão discutimos se cortamos ou não uma parte da cena final. Já
estamos editando desde as 8 da noite do dia anterior. Mais uma jornada, já se
foram meses depois que gravamos o filme, noites em claro debatendo o sentido de
cada corte. Parece que não vai acabar nunca, sempre tem um detalhe, chegamos a
um acordo, por hoje já deu, ainda tem de gravar a trilha sonora, nem marquei a
data com os músicos, tem que dar um toque no nosso camarada Alex, que grava num
estúdio que ele mesmo criou.
Já marcamos a estreia,
precisamos terminar esse filme, sim, os últimos ajustes, acabou!!! Ufa, já
posso visualizar o sol que nasce, a cidade começa a se movimentar. Será que o
filme acabou mesmo? Não, ainda falta um detalhe, aquela cor na cena 2,
equalizar o som dos diálogos. Talvez fizesse isso ou aquilo, mas o filme tá
pronto.
Finalmente, aleluia!!!
Agora é hora de... distribuir e exibir. Puts, ferrou, agora é hora de distribuir.
quarta-feira, 17 de maio de 2017
sábado, 13 de maio de 2017
O Aprendizado da Série Olhar Clandestino
Texto feito para o editorial da Segunda edição do Zine Gueto - Metragem
Por Renato Queiroz
Por Renato Queiroz
Esta edição do Zine Gueto-Metragem coincide com a exibição de
Pré-estreia da Série “Olhar Clandestino”, produzida de forma independente pela
Companhia Bueiro Aberto. Uma verdadeira escola para esse coletivo que vem
produzindo cada dia mais.
Cinco Histórias diferentes, “Amor Bandido”, Estrela
Invisível, Solidão SP, “Crise” e “No cinema de Bueiro”, mas com muita coisa em
comum. O ambiente urbano, os personagens do submundo, a repetição de elementos
narrativos – como o jornalista sensacionalista Agamenon Ribeiro. Tudo isso faz
parte do universo criado pela Bueiro Aberto. No entanto, o grande propulsor
dessa série não é a narrativa e nem mesmo a estética, mas a vontade de aprender
a fazer filmes.
Costumamos, em nossas conversas, dizer que não somos o Cinema
Marginal, mas Marginais do Cinema. Isso quer dizer que não somos quem
normalmente está no controle e na produção mainstream da indústria, nem mesmo
aqueles que estão na indústria de forma secundária. Somos trabalhadores, filhos
de trabalhadores, gente comum que, talvez pela própria sensibilidade à vivência
do cotidiano da massa, aparentemente sem rosto, extraímos, garimpamos mesmo, as
alegrias, as tristezas, a beleza da vida das pessoas, e queremos nos ver nas
telas também.
Quando nos reunimos, cheios de sonhos e ideias, para discutir
a criação dessa série, já éramos produtores alternativos, apaixonados pela
linguagem cinematográfica, e queríamos fazer com que essas fotografias
clandestinas, esses escritos surrados se tornassem imagens vivas, filmes. Assim
iniciamos a nossa trajetória, que depois de quase um ano, vimos agora se
concretizar.
Nenhum membro do Coletivo tem formação acadêmica em Cinema ou
audiovisual, todos são curiosos, interessados, que com uma boa dose de ousadia
e cara de pau, pegaram uma câmera e começaram a produzir. Aos poucos vimos que
nossas concepções coincidiam em algumas coisas, divergiam às vezes – num
processo enriquecedor – e, na maioria das vezes, se complementam de forma
criativa. De maneira que, hoje, já começamos a debater a adoção de certo padrão
estético, exploramos os campos da ficção, do documentário, e diversos elementos
da linguagem do cinema.
Olhar Clandestino é uma série sobre o submundo das metrópoles
urbana. Apresenta dramas e esperanças, sempre dentro dessa perspectiva da
visão, do personagem que olha para o mundo e para o espectador, ao passo que
são observados também pelo público. É esse processo de troca, de aprendizagem,
de aprender a viver e a olhar o mundo sendo quem é.
O quinto filme mostra exatamente essa face na perspectiva do
observador, do drama e da esperança aplicada justamente à própria equipe, à
galera que mergulhou de cabeça nesse curso intensivo que se apresenta hoje como
um produto audiovisual construído com muito esforço por um Coletivo de gente
comum que fala sobre gente comum, extraindo – de forma extraordinária – aquilo
que é notável na vida dessas pessoas.