A partir dos anos 2000, iniciou-se um
processo de ampliação das produções audiovisuais nas periferias. Parece que o
povo, aquele tão aclamado com sua imagem na tela pelo Cinema Novo e por Central do Brasil e Cidade de Deus, não estava apenas como personagem de uma estória,
mas a criando atrás das câmeras. Entre
mostras, cursos, pesquisas acadêmicas, articulações começam a surgir
denominações conflituosos: cinema de periferia, cinema de quebrada, cinema de
favela, cinema de comunidade.
Muitas
vezes o incômodo dessas denominações vinha pelo fato dela virem de uma
catalogação externa, não nascida dos coletivos que se formaram, embora houvesse
entre os grupos a discussão e criação destes termos. Na segunda metade dos anos
2000, diversos coletivos da periferia de São Paulo se juntam e formam o
Coletivo de Vídeo Popular. Eles se denominam assim porque o vídeo é um suporte
diferente da película cinematográfica, mas também porque vídeo popular busca
não banalizar uma produção que se fazia bem diferente daquele dito “cinema”,
com todas as precariedades e desigualdades do mercado audiovisual e com uma
mensagem e abordagem questionadora. Além disso, vídeo remete a Associação
brasileira de Vídeo Popular (ABVP), que nos anos 80 articulou e produziu obras
em torno dos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical.
O
Coletivo de Vídeo Popular criou o Circuito de Exibição nas quebradas e em
diversos espaços da cidade, a Revista de Vídeo Popular, organizou discussões,
cobrou políticas públicas, questionou uma representatividade superficial da
periferia e a própria ideia de periferia. Isso se deu a partir de 2008 e com o
passar dos anos, ao mesmo tempo que ganhou força, o Coletivo diminuiu o ritmo.
Mas nos últimos tempos começa a se desenvolver uma rearticulação, a princípio,
com o diálogo maior entre os coletivos, mas com a perspectiva de se firmar um
grupo orgânico.
Esse
final de semana é um marco nessas discussões. No dia de hoje, nós, do Zine
Gueto metragem e da Companhia Bueiro Aberto, trazemos uma edição especial com a
trajetória e perspectiva do Coletivo de Vídeo popular, contando com colunistas
que participaram desse corre, como Daniel Fagundes, Fernanda Vargas, Guillhermo
Aderaldo e entrevista com Flávio Fabcine. O lançamento ocorre no canal da
Companhia Bueiro Aberto com exibição do filme Oxente Bixiga, um mergulho na migração nordestina no bairro do Bixiga,
São Paulo, e debate com os diretores Daniel Fagundes e Fernanda Vargas. Confira a edição aqui no blog e o debate no nosso canal: https://www.youtube.com/watch?v=q4uz79-Qytg
E
no domingo outro evento que marca essas ações que reúnem coletivos e ideias, o
lançamento do streaming da Videoteca Popular, projeto do Caramuja, pesquisa e
memória audiovisual, que reunirá filmes periféricos, cursos, debates, material
para edição, exposições. A Videoteca é um projeto antigo, da época do CVP, e
sempre foi um espaço importante para os coletivos. Breve também estaremos colando
com nossos filmes.
Mensagem
do evento da Videoteca.
É com enorme alegria que anunciamos a festa online de lançamento da
nossa histórica Videoteca Popular, que nesse ano completa 14 anos de dedicação
a preservação da memória do cinema nacional e do audiovisual periférico.
Depois de tanto tempo entre DVDs, VHS e exibindo nas vielas, campos e
escadões das quebradas de São Paulo, também no fomento ao canal do Youtube com
preciosas lives com grandes expoentes do nosso cinema, chegamos enfim a
concretização do nosso portal, que além de um streaming recheado de grandes
filmes de diferentes épocas da produção audiovisual popular teremos a
apresentação de todas as ferramentas da plataforma, que oferecerá além de um
grande catálogo de filmes gratuitos e abertos, um serviço de suporte à
coletivos e produtores autônomos, oferecendo banco de áudio, banco de imagens e
artigos de referência. O site terá ainda uma galeria de artes periféricas e um
nascedouro de filmes, onde qualquer pessoa de forma prática e rápida pode
contribuir com a realização de novas obras dos coletivos e cineastas das
quebradas.
Para celebrar tanta coisa bacana o cineclube da VP é especial, com duas
sessões. Em uma delas celebramos as raízes da produção de vídeo popular com a
exibição de um curta doc raro da ABVP "Quilombo da Memória" sobre a
capoeira e a resistência negra nas bordas da sul com a Corrente Libertadora,
filme dirigido pelo músico e historiador Salloma Salomão. Para prosear sobre
contaremos com as presenças do próprio Salloma e do mestre de capoeira e cultura
popular Eufra Modesto, um dos fundadores da Corrente Libertadora. Contaremos
ainda com uma participação especial do cineasta Joelzito Araújo falando sobre a
importância da ABVP na história do cinema brasileiro.
Em seguida exibiremos o longa doc "Dentro da minha pele", de
Toni Venturi e Val Gomes onde nove pessoas comuns, com diferentes tons de pele
negra, apresentam seu cotidiano na cidade de São Paulo e compartilham situações
de racismo, dos velados aos mais explícitos. Em seguida uma prosa boa com os
diretores.
Se eu fosse você não perdia, dia 27/06 as 17hs no youtube da Videoteca
Popular.
Bora?
Relização: VP / Caramuja/ Fibra 10
Apoio: VAI TEC