segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Entrevista completa com o produtor Alexandre Leão

 Entrevista e Transcrição por Daniel Neves
Fotografia por Renato Queiroz


Morador da cidade de Guarulhos e membro do coletivo Polissemia

GUETO – METRAGEM: Alê, até parece repetitivo, mas a gente sempre procura abordar a treta que é distribuir um filme independente. Chega a ser tão tenso que olhamos a produção como algo fácil, difícil mesmo é fazer nossos filmes chegarem às pessoas. E você tá nesse corre de exibir.

ALEXANDRE: Acho que a questão de distribuir se apresenta como evolução das atividades dos grupos independentes. Quando você começa, sua atenção toda é a produção, então acho que fazer os primeiros filmes e conseguir chegar até o fim é um grande desafio. À medida que isso vai consolidando, se coloca outro problema, que não é apenas de fazer o filme, mas que ele seja visto, de percorrer todo o caminho, de ser pensado, realizado, exibido, seja um filme comercial, seja os nossos que não tem esse caráter, pois não circulam nas redes comerciais, tem que fazer esse percurso. Essa evolução é positiva. Mas tem um lado negativo que é dramático, com a internet, fica tudo mais fácil, cê joga o filme lá e pronto, mas pra gente tem uma questão importante, de o filme estar também em sala de exibição, por mais que tenha todo esse desenvolvimento tipo Netflix, Youtube, Vimeo, ainda se tem a experiência de uma sala, isso é parte de quem produz, mas aí tem um problema muito grave, não é que a gente tá a margem, é a margem da margem, da margem, da margem, da margem, da margem, quer dizer, o cinema nacional, ligado a Globo Filmes, já está a margem da rede de distribuição que existe no país, ai você tem cineastas que estão a margem disso, se pega aí Kleber Mendonça Filho, por exemplo que foi pra Cannes com Aquarius, que teve cerca de 250 mil espectadores, pra gente é extraordinário, mas em termos de Brasil é muito pequeno. Então você tem esses caras, tem outros que estão mais a margem, tem aqueles que conseguem edital, tem as produtoras, e depois de várias outras camadas temos nós. Uma das saídas seriam os festivais, mas festival tem muita panelinha, então você fica num estágio desesperador. Talvez a gente devia ir por uma terceira via, acho que contra a indústria cultural, exibindo em espaços, quase como militante cinematográfico.

GUETO – METRAGEM: Sua atuação no cinema é até recente. Queria saber, o que te levou a fazer cinema, teve alguma coisa que te influenciou antes?

ALEXANDRE: Desde o tempo de escola, eu sempre vi muitos filmes e uma coisa que me inquietava era de entender como eles eram feitos. Esse interesse voltou depois numa época que eu tava em crise com minha vida, trabalho, estudo, numa biblioteca vi um panfleto de um curso de cinema da prefeitura, aí reacendeu a vontade, na hora que entrei no curso, assisti as aulas, fizemos um curta, aí me descobri, isso é o que eu quero. Era uma turma muito boa, assim, o curso não teve continuidade, mas muita gente levou adiante, as pessoas queriam fazer outros filmes, e fundamos o grupo Polissemia.

GUETO – METRAGEM: Esse curso marcou uma galera que começou a fazer.

ALEXANDRE: A gente sabe desse problema de política pública, mas o cinema é uma arte coletiva, mesmo que não tenha continuado, foi um encontro do pessoal. Nesse sentido, vamos criando uma comunidade de cinema em Guarulhos, essa troca de ideias é fundamental, um ajuda o outro.

GUETO – METRAGEM: E quais foram os filmes que vocês fizeram no Polissemia?

ALEXANDRE: O primeiro foi o “Necessidade Básica (2015)”, a Cláudia, que fez o curso com a gente, publicou numa rede social que queria filmar esse roteiro, aí várias pessoas colaram, do processo de produção desse filme nasceu o Polissemia. Ele veio de um relato que ela ouviu de uma médica acerca da precariedade da saúde pública. Depois fizemos alguns curtas de um minuto, depois filmamos “Tempos de Guerra (2016)”, e agora estamos finalizando “O Orgulho da Nação”.


GUETO – METRAGEM: Filmes sensíveis e difíceis de serem realizados. “Tempos de Guerra”, por exemplo, é um filme de época.

ALEXANDRE: A gente sempre acha que vai fazer o próximo mais simples, mas acaba por complicar ainda mais (risos). Cê chega e pergunta: Por quê que eu fui resolver fazer isso? Mas as dificuldades deram uma desenvoltura pro grupo, aprendemos a tentar financiar, a como se virar com móveis antigos que colocamos pra reproduzir os anos 40 nesse filme.

GUETO – METRAGEM: Você se deu muito bem com a produção. Essa área, no cinema comercial, é aquela que planeja e que administra os recursos, como é fazer produção no cinema independente?

ALEXANDRE: É outra pegada, por exemplo, você tem que tentar diminuir a diferença entre trabalho manual e trabalho braçal, não existe aqueles que mandam e aqueles que executam, todos pensam e fazem, tipo, na fotografia, se o cara traz a câmera, tá fazendo produção, o ator que traz suas roupas como figurino, na verdade, todo mundo tem de ser produtor, nesse caso, a produção está em realizar o filme de forma artística, não como na indústria, de ordem e comando, de hierarquia, de interesses econômicos diversos.Tá a serviço da arte, e você vai aprendendo as outras funções, é uma troca. Uma coisa que tem é a pessoa se envolver, comprar a ideia do filme, ir com você. Ao mesmo tempo cê tem as atribuições de produtor, de gerenciar atividades de pessoas, apesar dessa coisa horizontal, tem o vertical, a divisão de tarefas, datas, respeitar o espaço de cada um. Tem que equalizar esses dois aspectos.

GUETO – METRAGEM: Hoje, no Brasil, a forma de financiamento quase que única é através de editais públicos, que são extremamente burocráticos e competitivos, mas a gente também quer ganhar dinheiro no sentido de pagar os profissionais envolvidos, dificilmente o financiamento coletivo dá conta disso. Você vê alguma alternativa?


ALEXANDRE: Tenho pensado muito nisso, mas não tenho uma resposta, estamos fora do mercado e dessa forma não pagamos o filme, a gente gostaria de viver de cinema, mas acho que conforme as coisas vão se dando, as respostas vão aparecendo. O financiamento que temos é pra pagar certas despesas do filme, fizemos rifas, fomos pra internet. Mas o âmbito da profissionalização é um desafio.


GUETO – METRAGEM: E como você vê essa histórica dicotomia que se faz entre cinema da indústria e cinema de arte?

ALEXANDRE: Eu não vejo essa diferenciação. A própria história do cinema vai contra isso. Entendia - se o cinema como arte se fosse uma narrativa, contar uma história, a partir de um momento que um filme hoje faz isso ele já se constitui como arte. Assim como também há filmes ditos comerciais que são obras primas e outros ruins, há filmes ditos de arte bons e ruins. O cinema te oferece várias possibilidades. Havia o cinema narrativo, uma linguagem mais conhecida que em alguma época foi nova, veio o cinema experimental, que também tem seu valor, trouxe toda uma linguagem para ser explorada e que no futuro pode até virar dominante. Eu acho que não deveria se criar essa dicotomia no cinema independente porque o lugar dele é permitir essa variação, de filmes documentários, ficção, experimentais, é um lugar privilegiado, e o público tem outra relação conosco.

GUETO – METRAGEM: E como surgiu o Cineclube Incinerante?

ALEXANDRE: Ele não existiria fora dessa crescente produção em Guarulhos, no cinema digital como um todo, o cinema de quebrada, ele não surgiu como uma coisa planejada, a gente do Polissemia queria ver e debater filmes como parte da nossa atividade de fazer. E as coisas foram meio acontecendo, depois começamos a pensar em passar nossos filmes, os filmes dos outros coletivos, é itinerante porque a gente na época não tinha sede própria.

GUETO – METRAGEM: E agora temos a III Mostra de Curtas Guarulhenses, que terá três dias e exibirá diversas obras da cidade.


ALEXANDRE: Ela seguiu nesse mesmo rumo, juntamos os filmes de um pessoal numa exibição, depois decidimos fazer num outro ano, aí teve um público bacana e esse ano cresceu ainda mais, vamos até lançar a Revista Incinerante.


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