quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

RELATO DE UM CINEMA PERIFÉRICO POLÍTICO

   Por Daniel Neves  

            A mente tá agitada, várias ideia vem na cabeça, sobre as treta pessoal, os conflito do mundão e o próximo rolê, o sol bate forte no Bar da Vânia, duas doses de conhaque e um trago no filtro vermelho dão uma acalmada, terça-feira, dois caras bebem e jogam na maquininha, Vanessa coloca um som na jukebox, começa a cantar a música de Marília Mendonça, depois põe um Tim Maia, depois um funk proibidão, a playlist se mistura ao hino evangélico tocado na igreja em frente, Vania fuma um cigarro na porta do bar e observa pensativa o culto.

Sergião aparece, cumprimenta todo mundo e me diz:

- E aí, parça, vamu fazer um filme?

Já podia começar ali, levo na minha mochila uma câmera de pequeno porte e um fio de luz, ele trouxe o gravador e o microfone, o bar é de um reboco em algumas paredes e outras de tijolo baiano, vemos um calendário, o cartaz de uma cerveja, um grande papel branco escrito em lápis, “promoção, dose de conhaque a 2 reais”, no balcão de madeira gasta, os copos e cinzeiros se misturam, ao lado das bebidas na prateleira, há uma cruz, uma mensagem, “deus seja louvado”, e outra, “não vendo fiado”, um pisca-pisca com luzes vermelhas e verdes fica acima das bebidas. Aquele lugar, que de dia e de noite passam várias humanidades, o trabalhador cansado, o noia desiludido, a prostitua com a maquiagem borrada, o alcoólatra que jura ser só mais uma dose, os jovens que fumam seu narguile, o aviãozinho dando mais um tiro no banheiro pra ficar na disposição, a Joana que vem comer a porção de torresmo. E Vania, seus 38 anos, boa de conta, com seus caderninhos dos clientes que devem, mãe solteira de três filhos, religiosa e consumidora de conhaque, quando o bar fecha, ela acende um cigarro, coloca um pagode dos anos 90, faz a contabilidade do dia e serve uma porção de salgado para seus filhos, depois fecha o bar e sai andando pela favela...

Era o trajeto que a gente ia fazer aquele dia, Sergião conhecia Seu Dito, morador do bairro há 40 anos, desde quando tudo começou, desde quando era mato. Já fazia tempo que queríamos fazer um filme com ele.

Na viela do Dito, é o Dito que fica todas as tardes com o rádio ligado tocando músicas de acordo com as diversas pessoas que passam, pra cada novo conhecido, uma nova música ele coloca. Vai de louvor evangélico a Racionais Mcs e Guns n Roses.

Pelo caminho, a câmera já está ligada, fazemos imagens, das paredes, varais, becos, córregos, vielas, ruas, asfaltadas e de terra, a arquitetura do lugar é meio doida, apenas em um quadro dá pra ver a parede rebocada, outra com tinta, o varal, a parede úmida, a ponte, uma criança brincando, uma senhora carregando ovos e sacolas, um jovem mexendo no celular, o enquadramento dura alguns segundos e capta aquele momento único, a imagem, depois colorada no programa de edição, é bela, impactante, traz o olhar de um universo com vários universos dentro. Sergião fala, “filma de baixo pra cima que o bagulho dá outra dimensão”. Ele gosta de compor formas geométricas com os elementos ali da favela, a referência é Eisenstein. A imagem é da hora, mas me faz perguntar, “será que estamos romantizando a miséria?”, “a imagem da miséria é da hora?”, mas Eisenstein, assim como Glauber Rocha, assim como o Cinema de Quebrada, tem um compromisso com a transformação social, essa imagem da viela é ao mesmo tempo exemplo de luta, de nós que se viramos para criar a sobrevivência, para erguer nossas casas e ruas do pensamento, mas é também denúncia da precariedade, a imagem do córrego tem de ter a podridão, pois quem vive ali não é arquiteto da precariedade.

            As crianças sempre olham curiosas para a câmera, um olhar distante e encantador, as mãos delas sempre se levantam, tocam nos equipamentos, parecem ansiar por produzir imagens. Sérgião reflete, “a história do cinema é a história da luta de classes, desde Lumiere a imagem do povo está na tela, mas ele não está lá, apenas carregando os equipamentos e saindo da fábrica para ver novela, já que os trabalhadores não são donos dos meios de produção de imagens”. Eu reflito, penso que nosso cinema é diferente, é o periférico com a câmera na mão, mas que tipo de imagens vamos produzir?

            Entramos na rua metade terra, metade asfalto e encontramos Júlio, logo que nos viu desandou a falar:

            - Oh meus parceiro, tô vindo do trampo, tô feliz pra karalho, bora tomar uma?

            - Pô, mano, vamu lá gravar aquele filme do Seu Dito! - eu digo.

            - Caraca muleque, cês tão arrebentando nos filme, oh mano, vi aquele documentário da galera do futebol, que foda, vestiário é daquele jeito, o bagulho é tipo guerra! Aí mano, cês devia gravar o que aconteceu ontem! Véio, cês não vão acreditar, cheguei em casa no mó desanimo, mano, cês tão ligado as tretas das contas, debatendo com minha mina pra fechar o orçamento, mó neurose, o clima tava sinistro, sei lá, mano, tipo aqueles negócio de energia ruim, a favela calma demais, dava pra ouvir os grilo e os cachorro, minha cabeça a milhão, a Luciana tava triste porque discutiu com o pai dela e o pagamento lá do trampo dela tava atrasado, muleque, nem a TV tava ligada, queria tomar todas pra esquecer, mas só recebi hoje, hoje vou beber pra comemorar, é foda, a cachaça também estraga, esses dias fiquei virado dois dias, aí já viu, uma coisa leva a outra... Mas aí, manos, cês não vão acreditar, meu muleque, mano, meu muleque tava no chão com os brinquedos, olhou a estante, as fotos do casório, a mamadeira com leite pela metade, a luz entrando na janela, nosso olhar apreeensivo sem dar muito atenção pra ele, daí o muleque... o muleque levantou e andou pela primeira vez, foi a primeira vez que vi meu filho de pé.

            Trocamos mais algumas ideias, parabenizamos Júlio, marcamos de nos encontrar depois da gravação e caminhamos. Aquele brilho no olhar dele me fez viajar em várias ideias. Quando comecei a fazer cinema, queria filmar a miséria do meu povo, mas porra, será que a gente tem que falar só de desgraça? De família destruída? Do que não deu certo? O primeiro andar de uma criança daria um filme foda, assim como o encanto do pai contando a situação. Tem hora que a vida me faz esquecer dessa politização policiada, de que tudo tem uma explicação lógica na luta de classes, de que a quebrada é uma só imersa na tristeza. Quem sou eu para dizer o que um cineasta de quebrada vai filmar? Quem é esse cineasta para me propor uma cartilha? Não me sinto acima de ninguém, talvez na classe média ou na própria quebrada tenham militantes esclarecidos, que podem ensinar a desigualdade, porra, eu só consigo aprender, não sou moralmente certo, no padrão de ser humano bom consciente, ninguém que eu vejo é, tá todo mundo imerso em vários universos, tá todo mundo sonhando, fudido, cambaleando e parece que tem algo nessa nossa vida simples que vale a pena lutar, vivenciar. Se somos esses personagens errantes, por que não somos nós que se levantam pra questionar o sistema na linha de frente? Tô cansado de cagar regra, de pensar um cinema cheio de verdades prontas. Aliás, dizem por aí, tudo é política, falar de amor na quebrada, falar de existencialismo, de religião, de sentimento, não é ser político?

            O pensamento muda quando pego a câmera e direciono pra um parceiro que é porteiro, vindo do trampo, meu cigarro acabou, fumei os três soltos que peguei no Bar da Vânia, só recebo amanhã, 6 hrs da manhã também tô na portaria, se eu não beber demais. O cinema também dá um desânimo porque falta grana e tempo para tocar os projetos, comprar equipamentos, distribuir, estudar, tudo isso trampando 12 horas por dia, às vezes nem me vejo como cineasta, sou como aquela rapaziada artista informal do gueto, o caminhoneiro que toca uma viola, a faxineira que pinta uns quadro, a tiazinha aposentada que faz poesia, essas estórias estão nos nossos filmes, investimento em arte tá osso, mas arte tem de monte.

            Ah, mas a gente nunca foi de simplesmente aceitar a realidade, a gente busca sim reinventar, questionar, a gente se envolve em filme ativista, principalmente quando a causa afeta nossa sobrevivência, a quebrada vai pra luta não é de hoje, marchamos juntos dos movimentos sociais das antiga e do presente. Mas dentro da quebrada tem muitas realidades, fora dela também, a gente também faz filme pelo mundo, a gente tá no front também. É pô, a gente é de esquerda, embora não se sinta tão parte dela, tem algum vazio que me devora enquanto o patrão nos devora dia-dia. O cinema pode ser um instrumento de luta política, mas é muito cômodo eu fazer um filme bonito, bem feito, conceitual, ser premiado em festival pela crítica de algum especialista, um filme sobre a fome, mas a fome continua lá, pronta pra ganhar um monte de prêmio, e desde muito que ouço, tem que organizar, tem que mobilizar, tem que discutir, fazer greve, tem que pressionar, tem que transformar a sociedade, o que fazemos quando a câmera não está na mão? O que a gente vai fazer? E fora da tela, porra? E se esse meu filme comunitário, que gravei na viela de casa não chega nas pessoas que moram nessa viela, merda, de que adianta? Mas pra nós sempre chega, o filme de futebol que o Júlio falou foi rodado na quadra da quebrada, tinha pipoca, cachorro-quente, criança, cachaça, a rapaziada se ajeitou e curtiu o rolê, teve debate, tinha música que lembrava aqueles filmes americanos, é, eu odeio e amo filme americano, a lembrança da sessão da tarde na casa da vó sempre reaparece como saudade.

            Andando naqueles becos, foi como se eu tivesse viajado pelo mundo inteiro, nem percebi, Sergião falava dos planos fechados para captar a vivência do Dito, entramos na viela do Dito, a mente foi ficando mais de boas, talvez a gente só quisesse fazer um filme mesmo, nada demais, pra suportar a vida, pra falar o que quisesse independente de discurso e reflexão filosófica, acho que sou um pouco de tudo, só não quero mais carregar a carga de nenhum  rótulo, não tem jeito, a gente tá no front, tamu questionando o mundo e a nós mesmos, tamu batendo de frente com o sistema e com nós mesmos, diariamente, isso é cinema político né? Dito estava sentado na sua cadeirinha de sempre, logo que nos viu:

            - Opa, chegaram meus menino, tenho que colocar aquela clássica!

Ele sabia os sons que a gente curtia, Sergião deu um abraço no velho, ligou a câmera, Dito colocou um vinil de Raul Seixas na vitrola, era a música “Carpinteiro do Universo”, o filme começou há muito tempo...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 3. Por Janaina Reis.

 

Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 3.

 

Por Janaina Reis

 


Chegamos na última grande noite do cinema guarulhense! Com uma trilha de muita experimentação abriram-se os trabalhos com um questionamento sobre o tempo, “O tempo que te cabe", filosófico e provocante  filme. O tempo discorre em imagens à nossa frente, numa edição que brinca com a velocidade do tempo, o que provoca nosso ritmo interno, por isso um filme filosófico, porque inquieta e angustia.

Ainda sobre provocações, uma foi especial para mim, “Isto não é o alfabeto", eu costumo sempre dizer que não sei desenhar, das artes o desenho é realmente uma que me escapou. No entanto, como pedagoga, tenho por ofício ensinar a ler e escrever as nossas letras. E esse filme veio bagunçar algumas coisas me dizendo o óbvio ululante: letras são desenhos. Mas, Nelson Rodrigues já nos disse, só os profetas enxergam o óbvio. Ainda bem que existem essas pequenas doses de lucidez por aí.

A teatralidade esteve muito presente nesta mostra, e nesta noite seus representantes foram “Fragmentos de um lugar", “Entropia Mental" e “Andarilhantes". Esses três carregam em si uma poética do ator, ele é o ponto de partida para tudo. Corpos expressivos, insubmissos que dialogam com os espaços e trazem musicalidade, ritmo e imagens marcantes.



Os filmes mais documentais “Milton Santos” e “Rabiscos Surrados – De Pindorama ao Brasil”, chamam atenção por bagunçar a lógica do documentário. Ambos propõe novos jeitos de narrar fatos, um com recurso da animação, outro com o recurso da relação palavra e imagem. Já em “Como estão as coisas aí?” temos uma linguagem mais tradicional de documentário, um tema de extrema relevância e que é pouco discutido em nossa sociedade que é o debate sobre o encarceramento.

Não vou finalizar esse texto. Vou dar um “Ponto e vírgula” porque eu quero uma ponte para a próxima mostra. Eu quero uma ponte para você leitor. O último filme da noite é um lembrete sobre quem somos, nós somos nossas memórias mais profundas. E tudo funcionou nesse filme, destaco o roteiro que traz um tema pouco explorado na nossa cinematografia que é o protagonismo da terceira idade, seus dramas, suas histórias e com quanta delicadeza o filme aborda a relação entre as diferentes gerações. No primeiro texto dessa série eu digo no primeiro parágrafo que cinema é sobre afeto, e sim meus caros, essa é a ponte sobre a qual caminhamos.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 2 - Por Janaina Reis


 Já falei algumas vezes da relação cinema e literatura, outros companheiros também falaram disso por aqui. Retomo o tema, para iniciar este texto, e para falar da obra de Moisés Pantolfi. “Um Artista da Fome" é um mergulho na alma de Kafka, Moisés é um excelente desenhista, premiado cineasta, e creio que em suas linhas também lemos grandes autores. A cada animação baseada em alguma história da literatura,  de suas linhas emergem a essência das personagens e isso é como um mergulho na alma do escritor. Vivemos tempos de espetacularização da miséria e da morte e isso está presente no artista da fome de  Kafka e de Pantolfi, cada um em seu lugar, em seu tempo. 

Os filmes de oficina, já disse isso também, vieram com muito a dizer. “Reticências” me tocou em lugares que nem sei por onde começar. A história é muito bem contada, simples e dramático. Quantas de nós não estiveram nessa situação? Bingo! É certa a empatia que causará no público. As atrizes tem uma relação muito natural de amizade e cumplicidade durante as chamadas de vídeo. Além disso, a música da banda Carbônica foi muito bem escolhida para trilha. 

O Pimentas tá com tudo, além das oficinas do Kinoférico, trouxe também a Cia do Caminho Velho. “Ela escondida em seu próprio quarto” traz uma interpretação visceral de Fabiana Barbosa, simples, precisa e intensa, resolve tudo com o olhar,  entonação da voz e gestos pequenos dentro de um curto espaço. O texto é também brilhante e a penumbra proposta pela fotografia é a cereja do bolo pra nos deixar presos naquele delírio. 

“Em Potencial" é um nanometragem. Narrativa breve, potente, é para tirar do lugar comum. 



A Produtora Embrião explorou uma linguagem com efeitos e fantasia em “Três Pessoas e uma Enxada”, interessante a marca lúdica que aparece nesta e em outras obras presentes na mostra, o que evidencia que quando a realidade é difícil de suportar tendemos a criar universos com outras possibilidades, por isso somos também contadores de histórias, por ter o olhar encantado sobre o mundo. 

Os documentários da noite, “Narrativas às margens da Arena" e “Ao mestre com samba – Osvaldinho da Cuíca" revelaram histórias reais de artistas imprescindíveis. Um abriu as cortinas do teatro paulista e o outro uma grande roda de samba. Destaco aqui que no segundo, temos o uso de entrevistas por aplicativos de chamada de vídeo, o que se tornou comum na pandemia, o que mostra que essa prática também refletiu de certa forma nas produções audiovisuais. 

“Os efeitos do raio gama nas margaridas do campo" é um filme gravado com celular, cada um na sua casa, a própria edição traz filtros de cor que lembram os filtros de redes sociais. Genial produção de Rubens Mello, combina muito bem essa estética de um filme feito com celular e a relação do ser humano com a tecnologia, radiações, tudo que nos afeta e atravessa nesse mundo tóxico, sem perder a poesia habitual na metáfora do humano como margaridas no campo. 

Desafiando a narrativa temos “Sentido” que nos deixa livre para escolher por onde queremos seguir. É um importante experimento narrativo. Aliás,  experimento é uma palavra interessante para esta noite. 

Retomando a ideia de ludicidade chegamos em Sombra e Fúria - Puck, fechando a noite de exibições, trouxe a leveza da comicidade de Shakespeare para o cinema. A arte deu um tom farsesco à produção e transformou a internet no bosque encantado de Titânia e Oberon. Eu assisti cinema pensando que era teatro, ri das trapalhadas do Puck, dos casais trocados, e do tom de  brincadeira que a obra carrega. Mas, também acho que eu ri porque no fim é isso que somos, brincantes. 

O debate foi quente, muitas questões importantes, com tantas informações recebidas não teria como ser diferente. Queremos trocar, falar, essa é a graça, assim aprendemos. E ainda tem mais uma noite, você que lê não perca, vá ver/viver! 


Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 1 - Por Janaina Reis


 Chegou a nossa queridinha! E eu vou arriscar uma resenha sobre esses dias tão especiais que compartilhamos. Posso dizer que no primeiro dia, a ansiedade era tão grande, que parecia que era a nossa primeira vez. Mas,  pensando bem... até que pode ser mesmo. Quase dois anos nos separaram da sala de exibição lotada, dos rostos amigos, abraços e debates profundos. Dois anos com medo imenso da morte, da fome, da dor. Estar ali naquela primeira noite ao lado dos nossos era mais do que uma exibição, era uma vitória! E celebramos! Em nome de tantos que não tiveram a mesma chance, em nome de tantas pessoas que nos fazem falta. Cinema é sobre afeto. 

De cara eu fui à Bahia, tanto tempo sem viajar, eu entrei numa Kombi e fui com Leandro Almeida viajar em sua filosofia, “Um Filósofo na Quebrada”. Esse documentário traz uma questão interessante, Daniel soube amarrar tão bem a presença de Leandro, que este sai do lugar de personagem e se confunde com a figura do autor, ele narra sua própria história em voz e imagens captadas por ele mesmo ao longo de sua aventura pelo Brasil. 

No retorno eu volto pelo Pimentas, desembarco na terra do Coletivo Kinoférico, sacudindo a nossa cabeça “Durante o Banho" mostra que os filmes de oficina estão com muito a dizer, e nos presenteiam com um pulsante relato de um jovem e seus conflitos pandêmicos, destaque para as transições na edição que nos levam de uma angústia à outra da personagem mantendo a cadência do filme. 

E já que estou em Guarulhos, não pude deixar de ver a maldade que assola essa terra. O cortante documentário “Os Invisibilizados Relatos da luta dos trabalhadores” é um grito contra os desmandos dos coronéis. Trouxe todos os presentes para a pauta da PROGUARU, como não podia deixar de ser, filme de educação popular é isso, provoca, instiga, dialoga. 

Mas agora me vejo diante de um impasse: Apocalypse Clown. O filme é meu, não sou capaz de opinar, prefiro resolver um mistério, “O Mistério das Musas de Eçaraia" é um belo e bem narrado suspense, quero ver mais dessa galera na próxima mostra. Creio que já me alonguei com esse texto, é  preciso correr, “Run", rápido e de tirar o fôlego, fotografia e edição  muito bem executadas. 

Por fim, o novo, o “Neo-Brazyl", um filme de Nelson Simplício. O filme é dele, é ele. A inquietação, a busca de Nelson como cineasta estão ali, e ganhamos um filme que destrói a nossa mente, no melhor sentido claro. Cores saturadas, tecnologia presente todo o tempo, aplicativos, um futuro distópico, que me lembrou Blade Runner, Ghost in the shell... tudo isso na terra brasilis, ganhou aquele toque de uberização, e  temos este belo cyber punk. Destaque para a edição precisa de Nelson, a trilha sonora marcante e direção de arte que construiu um universo de cores e luzes fantástico. O curta fechou a primeira noite de exibição presencial, que apresentou um panorama diverso de produções, reuniu os produtores locais e mais uma vez fomentou o debate acerca do nosso fazer. 


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

ZINE GUETO METRAGEM VOLTA EM 2022

No final do mês de Outubro de 2022, o Zine Gueto-Metragem, um periódico de cinema periférico organizado pelo Coletivo Companhia Bueiro Aberto, fez o último lançamento do ano. Buscando debater “cinema e política”, as colunas trouxeram reflexões sobre os dilemas artísticos-políticos de alguns coletivos periféricos, bem como a história do cinema na front da revolução. 



Nosso desejo de fazer cinema, mas também de refletir, pesquisar, escrever, se tornou uma realidade sólida. Com 11 edições, incluindo 5 em 2020, reunimos mais de 70 textos debatendo e aprendendo com diversos coletivos, a navegar pelas estórias de um novo cinema.


Esse ano, além dos colunistas do nosso coletivo, Janaina Reis, Daniel Neves e Renato Queiroz, contamos também com convidados como a parceira Pâmela Regina, do Cineclube Incinerante, que fez a mediação dos debates de lançamento, o mestrão Daniel Fagundes, nossa referência no cinema de quebrada. Aliás, fizemos uma edição especial do Coletivo de Vídeo Popular, articulação de coletivos com 15 anos de caminhada, na qual escreveram colunas, além de Fagundes, o antropólogo Guilhermo Aderaldo e a cineasta-pesquisadora Fernanda Vargas. Lincoln Péricles, direto do capão, escreveu sobre seu cinema de mutirão em edição sobre cinema experimental.  Contamos também com a presença da socióloga Marina Soler, professora da UNIFESP e colunista constante. A presença de diversos nomes do cinema periférico cria um espaço de debate e criação.


O gênero textual do zine vem se modificando, ou talvez se consolidando. Embora tenhamos trabalhado com textos dissertativos e acadêmicos, algo que consideramos essencial no nosso processo, estamos explorando as formas literárias, conto, poesia, relatos, abrindo para a construção de narrativas, contação de estórias de processos de criação.


Exibimos cinco filmes e trouxemos os realizadores para um debate, de São Paulo a Pernambuco, fazendo o intercâmbio entre coletivos. Todos os cinedebates podem ser encontrados no canal Companhia Bueiro Aberto.



Em suas 11 edições, o zine foi financiado pelo PROAC, com exceção de apenas 1 edição, em editais da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Tentamos novamente um edital, mas infelizmente não conseguimos. Bem sabemos como as políticas culturais ainda são deficitárias. Porém, voltaremos em 2022, nem que seja para fazer de maneira independente, como é o nosso cinema. 


Viva os cinemas periféricos! Uma câmera na cabeça e uma ideia nas mãos!


sábado, 26 de junho de 2021

Fim de semana histórico para o vídeo popular

     A partir dos anos 2000, iniciou-se um processo de ampliação das produções audiovisuais nas periferias. Parece que o povo, aquele tão aclamado com sua imagem na tela pelo Cinema Novo e por Central do Brasil e Cidade de Deus, não estava apenas como personagem de uma estória, mas a criando atrás das câmeras.  Entre mostras, cursos, pesquisas acadêmicas, articulações começam a surgir denominações conflituosos: cinema de periferia, cinema de quebrada, cinema de favela, cinema de comunidade.

            Muitas vezes o incômodo dessas denominações vinha pelo fato dela virem de uma catalogação externa, não nascida dos coletivos que se formaram, embora houvesse entre os grupos a discussão e criação destes termos. Na segunda metade dos anos 2000, diversos coletivos da periferia de São Paulo se juntam e formam o Coletivo de Vídeo Popular. Eles se denominam assim porque o vídeo é um suporte diferente da película cinematográfica, mas também porque vídeo popular busca não banalizar uma produção que se fazia bem diferente daquele dito “cinema”, com todas as precariedades e desigualdades do mercado audiovisual e com uma mensagem e abordagem questionadora. Além disso, vídeo remete a Associação brasileira de Vídeo Popular (ABVP), que nos anos 80 articulou e produziu obras em torno dos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical.

            O Coletivo de Vídeo Popular criou o Circuito de Exibição nas quebradas e em diversos espaços da cidade, a Revista de Vídeo Popular, organizou discussões, cobrou políticas públicas, questionou uma representatividade superficial da periferia e a própria ideia de periferia. Isso se deu a partir de 2008 e com o passar dos anos, ao mesmo tempo que ganhou força, o Coletivo diminuiu o ritmo. Mas nos últimos tempos começa a se desenvolver uma rearticulação, a princípio, com o diálogo maior entre os coletivos, mas com a perspectiva de se firmar um grupo orgânico.

            Esse final de semana é um marco nessas discussões. No dia de hoje, nós, do Zine Gueto metragem e da Companhia Bueiro Aberto, trazemos uma edição especial com a trajetória e perspectiva do Coletivo de Vídeo popular, contando com colunistas que participaram desse corre, como Daniel Fagundes, Fernanda Vargas, Guillhermo Aderaldo e entrevista com Flávio Fabcine. O lançamento ocorre no canal da Companhia Bueiro Aberto com exibição do filme Oxente Bixiga, um mergulho na migração nordestina no bairro do Bixiga, São Paulo, e debate com os diretores Daniel Fagundes e Fernanda Vargas. Confira a edição aqui no blog e o debate no nosso canal: https://www.youtube.com/watch?v=q4uz79-Qytg

            E no domingo outro evento que marca essas ações que reúnem coletivos e ideias, o lançamento do streaming da Videoteca Popular, projeto do Caramuja, pesquisa e memória audiovisual, que reunirá filmes periféricos, cursos, debates, material para edição, exposições. A Videoteca é um projeto antigo, da época do CVP, e sempre foi um espaço importante para os coletivos. Breve também estaremos colando com nossos filmes.

            Mensagem do evento da Videoteca.

É com enorme alegria que anunciamos a festa online de lançamento da nossa histórica Videoteca Popular, que nesse ano completa 14 anos de dedicação a preservação da memória do cinema nacional e do audiovisual periférico.

Depois de tanto tempo entre DVDs, VHS e exibindo nas vielas, campos e escadões das quebradas de São Paulo, também no fomento ao canal do Youtube com preciosas lives com grandes expoentes do nosso cinema, chegamos enfim a concretização do nosso portal, que além de um streaming recheado de grandes filmes de diferentes épocas da produção audiovisual popular teremos a apresentação de todas as ferramentas da plataforma, que oferecerá além de um grande catálogo de filmes gratuitos e abertos, um serviço de suporte à coletivos e produtores autônomos, oferecendo banco de áudio, banco de imagens e artigos de referência. O site terá ainda uma galeria de artes periféricas e um nascedouro de filmes, onde qualquer pessoa de forma prática e rápida pode contribuir com a realização de novas obras dos coletivos e cineastas das quebradas.

Para celebrar tanta coisa bacana o cineclube da VP é especial, com duas sessões. Em uma delas celebramos as raízes da produção de vídeo popular com a exibição de um curta doc raro da ABVP "Quilombo da Memória" sobre a capoeira e a resistência negra nas bordas da sul com a Corrente Libertadora, filme dirigido pelo músico e historiador Salloma Salomão. Para prosear sobre contaremos com as presenças do próprio Salloma e do mestre de capoeira e cultura popular Eufra Modesto, um dos fundadores da Corrente Libertadora. Contaremos ainda com uma participação especial do cineasta Joelzito Araújo falando sobre a importância da ABVP na história do cinema brasileiro.

Em seguida exibiremos o longa doc "Dentro da minha pele", de Toni Venturi e Val Gomes onde nove pessoas comuns, com diferentes tons de pele negra, apresentam seu cotidiano na cidade de São Paulo e compartilham situações de racismo, dos velados aos mais explícitos. Em seguida uma prosa boa com os diretores.

Se eu fosse você não perdia, dia 27/06 as 17hs no youtube da Videoteca Popular.

Bora?

Relização: VP / Caramuja/ Fibra 10

Apoio: VAI TEC

quarta-feira, 19 de maio de 2021

7ª Edição do Zine Gueto Metragem está no ar

 Atenção cinéfilos de plantão, amantes da sétima arte, vamo que vamo, leke! novidade pa nóis , a nova edição do zine tá disponível para acesso livre de todos no planeta e fora dele!

Confira aqui no blog, abalando a estrutura da globalização cinematográfica, vamo trocar umas ideia doida sobre cinema EX-PE-RI-MENTAL. Se liga só, de Sganzerla a Lincoln Péricles.

O lançamento bombástico dropado via satélite diretamente do planeta Companhia Bueiro Aberto ocorreu dia 25 de abril e define: ARTE MODERNA,NÃO PASSA DE LIXO! Será?

Exibição do Filme de Domingo, debate com o diretor Lincoln Péricles e o ator Adriano Araújo com mediação de Pâmela Regina.

Levanta a bunda da cadeira e corre pro nosso canal, quem tiver de sapato não sobra!

Link da edição 7: https://drive.google.com/file/d/1HihjS_DQjwvH5eNWIktYLrNAjnkvaluM/view