sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 2 - Por Janaina Reis


 Já falei algumas vezes da relação cinema e literatura, outros companheiros também falaram disso por aqui. Retomo o tema, para iniciar este texto, e para falar da obra de Moisés Pantolfi. “Um Artista da Fome" é um mergulho na alma de Kafka, Moisés é um excelente desenhista, premiado cineasta, e creio que em suas linhas também lemos grandes autores. A cada animação baseada em alguma história da literatura,  de suas linhas emergem a essência das personagens e isso é como um mergulho na alma do escritor. Vivemos tempos de espetacularização da miséria e da morte e isso está presente no artista da fome de  Kafka e de Pantolfi, cada um em seu lugar, em seu tempo. 

Os filmes de oficina, já disse isso também, vieram com muito a dizer. “Reticências” me tocou em lugares que nem sei por onde começar. A história é muito bem contada, simples e dramático. Quantas de nós não estiveram nessa situação? Bingo! É certa a empatia que causará no público. As atrizes tem uma relação muito natural de amizade e cumplicidade durante as chamadas de vídeo. Além disso, a música da banda Carbônica foi muito bem escolhida para trilha. 

O Pimentas tá com tudo, além das oficinas do Kinoférico, trouxe também a Cia do Caminho Velho. “Ela escondida em seu próprio quarto” traz uma interpretação visceral de Fabiana Barbosa, simples, precisa e intensa, resolve tudo com o olhar,  entonação da voz e gestos pequenos dentro de um curto espaço. O texto é também brilhante e a penumbra proposta pela fotografia é a cereja do bolo pra nos deixar presos naquele delírio. 

“Em Potencial" é um nanometragem. Narrativa breve, potente, é para tirar do lugar comum. 



A Produtora Embrião explorou uma linguagem com efeitos e fantasia em “Três Pessoas e uma Enxada”, interessante a marca lúdica que aparece nesta e em outras obras presentes na mostra, o que evidencia que quando a realidade é difícil de suportar tendemos a criar universos com outras possibilidades, por isso somos também contadores de histórias, por ter o olhar encantado sobre o mundo. 

Os documentários da noite, “Narrativas às margens da Arena" e “Ao mestre com samba – Osvaldinho da Cuíca" revelaram histórias reais de artistas imprescindíveis. Um abriu as cortinas do teatro paulista e o outro uma grande roda de samba. Destaco aqui que no segundo, temos o uso de entrevistas por aplicativos de chamada de vídeo, o que se tornou comum na pandemia, o que mostra que essa prática também refletiu de certa forma nas produções audiovisuais. 

“Os efeitos do raio gama nas margaridas do campo" é um filme gravado com celular, cada um na sua casa, a própria edição traz filtros de cor que lembram os filtros de redes sociais. Genial produção de Rubens Mello, combina muito bem essa estética de um filme feito com celular e a relação do ser humano com a tecnologia, radiações, tudo que nos afeta e atravessa nesse mundo tóxico, sem perder a poesia habitual na metáfora do humano como margaridas no campo. 

Desafiando a narrativa temos “Sentido” que nos deixa livre para escolher por onde queremos seguir. É um importante experimento narrativo. Aliás,  experimento é uma palavra interessante para esta noite. 

Retomando a ideia de ludicidade chegamos em Sombra e Fúria - Puck, fechando a noite de exibições, trouxe a leveza da comicidade de Shakespeare para o cinema. A arte deu um tom farsesco à produção e transformou a internet no bosque encantado de Titânia e Oberon. Eu assisti cinema pensando que era teatro, ri das trapalhadas do Puck, dos casais trocados, e do tom de  brincadeira que a obra carrega. Mas, também acho que eu ri porque no fim é isso que somos, brincantes. 

O debate foi quente, muitas questões importantes, com tantas informações recebidas não teria como ser diferente. Queremos trocar, falar, essa é a graça, assim aprendemos. E ainda tem mais uma noite, você que lê não perca, vá ver/viver! 


Impressões sobre a Sétima Mostra Guarulhense de Cinema – parte 1 - Por Janaina Reis


 Chegou a nossa queridinha! E eu vou arriscar uma resenha sobre esses dias tão especiais que compartilhamos. Posso dizer que no primeiro dia, a ansiedade era tão grande, que parecia que era a nossa primeira vez. Mas,  pensando bem... até que pode ser mesmo. Quase dois anos nos separaram da sala de exibição lotada, dos rostos amigos, abraços e debates profundos. Dois anos com medo imenso da morte, da fome, da dor. Estar ali naquela primeira noite ao lado dos nossos era mais do que uma exibição, era uma vitória! E celebramos! Em nome de tantos que não tiveram a mesma chance, em nome de tantas pessoas que nos fazem falta. Cinema é sobre afeto. 

De cara eu fui à Bahia, tanto tempo sem viajar, eu entrei numa Kombi e fui com Leandro Almeida viajar em sua filosofia, “Um Filósofo na Quebrada”. Esse documentário traz uma questão interessante, Daniel soube amarrar tão bem a presença de Leandro, que este sai do lugar de personagem e se confunde com a figura do autor, ele narra sua própria história em voz e imagens captadas por ele mesmo ao longo de sua aventura pelo Brasil. 

No retorno eu volto pelo Pimentas, desembarco na terra do Coletivo Kinoférico, sacudindo a nossa cabeça “Durante o Banho" mostra que os filmes de oficina estão com muito a dizer, e nos presenteiam com um pulsante relato de um jovem e seus conflitos pandêmicos, destaque para as transições na edição que nos levam de uma angústia à outra da personagem mantendo a cadência do filme. 

E já que estou em Guarulhos, não pude deixar de ver a maldade que assola essa terra. O cortante documentário “Os Invisibilizados Relatos da luta dos trabalhadores” é um grito contra os desmandos dos coronéis. Trouxe todos os presentes para a pauta da PROGUARU, como não podia deixar de ser, filme de educação popular é isso, provoca, instiga, dialoga. 

Mas agora me vejo diante de um impasse: Apocalypse Clown. O filme é meu, não sou capaz de opinar, prefiro resolver um mistério, “O Mistério das Musas de Eçaraia" é um belo e bem narrado suspense, quero ver mais dessa galera na próxima mostra. Creio que já me alonguei com esse texto, é  preciso correr, “Run", rápido e de tirar o fôlego, fotografia e edição  muito bem executadas. 

Por fim, o novo, o “Neo-Brazyl", um filme de Nelson Simplício. O filme é dele, é ele. A inquietação, a busca de Nelson como cineasta estão ali, e ganhamos um filme que destrói a nossa mente, no melhor sentido claro. Cores saturadas, tecnologia presente todo o tempo, aplicativos, um futuro distópico, que me lembrou Blade Runner, Ghost in the shell... tudo isso na terra brasilis, ganhou aquele toque de uberização, e  temos este belo cyber punk. Destaque para a edição precisa de Nelson, a trilha sonora marcante e direção de arte que construiu um universo de cores e luzes fantástico. O curta fechou a primeira noite de exibição presencial, que apresentou um panorama diverso de produções, reuniu os produtores locais e mais uma vez fomentou o debate acerca do nosso fazer. 


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

ZINE GUETO METRAGEM VOLTA EM 2022

No final do mês de Outubro de 2022, o Zine Gueto-Metragem, um periódico de cinema periférico organizado pelo Coletivo Companhia Bueiro Aberto, fez o último lançamento do ano. Buscando debater “cinema e política”, as colunas trouxeram reflexões sobre os dilemas artísticos-políticos de alguns coletivos periféricos, bem como a história do cinema na front da revolução. 



Nosso desejo de fazer cinema, mas também de refletir, pesquisar, escrever, se tornou uma realidade sólida. Com 11 edições, incluindo 5 em 2020, reunimos mais de 70 textos debatendo e aprendendo com diversos coletivos, a navegar pelas estórias de um novo cinema.


Esse ano, além dos colunistas do nosso coletivo, Janaina Reis, Daniel Neves e Renato Queiroz, contamos também com convidados como a parceira Pâmela Regina, do Cineclube Incinerante, que fez a mediação dos debates de lançamento, o mestrão Daniel Fagundes, nossa referência no cinema de quebrada. Aliás, fizemos uma edição especial do Coletivo de Vídeo Popular, articulação de coletivos com 15 anos de caminhada, na qual escreveram colunas, além de Fagundes, o antropólogo Guilhermo Aderaldo e a cineasta-pesquisadora Fernanda Vargas. Lincoln Péricles, direto do capão, escreveu sobre seu cinema de mutirão em edição sobre cinema experimental.  Contamos também com a presença da socióloga Marina Soler, professora da UNIFESP e colunista constante. A presença de diversos nomes do cinema periférico cria um espaço de debate e criação.


O gênero textual do zine vem se modificando, ou talvez se consolidando. Embora tenhamos trabalhado com textos dissertativos e acadêmicos, algo que consideramos essencial no nosso processo, estamos explorando as formas literárias, conto, poesia, relatos, abrindo para a construção de narrativas, contação de estórias de processos de criação.


Exibimos cinco filmes e trouxemos os realizadores para um debate, de São Paulo a Pernambuco, fazendo o intercâmbio entre coletivos. Todos os cinedebates podem ser encontrados no canal Companhia Bueiro Aberto.



Em suas 11 edições, o zine foi financiado pelo PROAC, com exceção de apenas 1 edição, em editais da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Tentamos novamente um edital, mas infelizmente não conseguimos. Bem sabemos como as políticas culturais ainda são deficitárias. Porém, voltaremos em 2022, nem que seja para fazer de maneira independente, como é o nosso cinema. 


Viva os cinemas periféricos! Uma câmera na cabeça e uma ideia nas mãos!