terça-feira, 8 de agosto de 2017

O ponto de vista independente acerca dos festivais de cinema

Publicado na Coluna "Quem vê nossos filmes?", terceira edição do Zine Gueto Metragem

Por Renato Queiroz



Festival de Cannes; Berlim; Moscou; o Oscar. Todos os interessados por Cinema já ouviram falar desses grandes eventos. No Brasil há o prestigiado Festival de Gramado, o de Brasília e muitos outros. Os Festivais de Cinema são grandes celebrações cinematográficas, muitas vezes competitivas, que geralmente determinam tendências estéticas e revelam novos nomes. São organizados por universidades, empresas, governos, associações. Por vezes são divididos em diferentes temáticas ou seções/níveis de produtores.
Todo produtor independente tem a pretensão de submeter seus filmes ao crivo de um júri de críticos profissionais, de uma plateia de cinéfilos. No entanto, há obstáculos a serem considerados e que, de maneira alguma, podem ser ignorados.
Embora os Festivais e Mostras se declarem democráticos e abertos a um número expressivo e representativo de produtores de baixo orçamento ou independentes, muitas vezes os critérios de seleção são como muros difíceis de saltar sobre por motivos objetivos e subjetivos. Essas barreiras têm consequências sérias que impedem a ampliação da autonomia material e artística do Cinema Brasileiro.
A elitização dos festivais inicia-se na seleção dos produtores a serem exibidos, ainda mais em suas etapas competitivas. Normalmente se exige CPB¹ dos filmes, CNPJ² das produtoras, DRT³ dos profissionais envolvidos, entre outros critérios sectários que excluem automaticamente a grande maioria do Audiovisual nacional, além, é claro, das famosas panelinhas e do jogo de interesses econômicos e políticos por trás das escolhas.


Hoje a caracterização filme de festival é comum, são os filmes de arte. É, na prática, fazer filmes ao modo europeu para poder se situar nesse universo.  O roteirista Newton Cannito em entrevista à Revista de Cinema diz que “Filme de Arte virou gênero (...) dá até para escrever um manual de roteiro para filme de festival.” E provoca questionando se isso não seria apenas “autismo cultural financiado pelo Estado.”
Outro elemento relevante levantado por Newton Cannito é a padronização temática do filme nacional. Ou se fala do mundo dos ricos, de suas contradições morais, suas angústias amorosas, ou se fala da favela, da violência, da sexualidade. Em sua caracterização parece estabelecer uma dualidade entre o narcísico - a elite fala de si - e a observação daquilo que é exótico - a elite fala da favela, do pobre. Ele diz que “a elite cultural que consegue fazer cinema no Brasil escolheu a periferia e a favela como seu fetiche.”
Assim, resta ao produtor independente de fato buscar espaços em Mostras que sejam mais democráticas, que sejam independentes também, na internet, em exibições públicas autônomas e na construção de oportunidades.
            A Mostra Tiradentes de Cinema inovou em 2016 ao exibir o “Filme de Aborto”, longa independente dirigido por Lincoln Péricles que, segundo ele mesmo, em entrevista à Revista Guia da Mostra, diz que  para fazer o filme usou-se “(...) uma câmera Canon t3i, um gravador de som h6n. Gastamos aproximadamente 2000 reais, mas esse não é o valor exato que fecha a conta, pois todo mundo trabalhou de graça e usamos equipamentos emprestados, se tudo isso fosse pago o valor aumentaria, mas ainda assim seria um filme de baixíssimo orçamento”.  Mesmo assim, os outros filmes da Mostra foram quase todos financiados por editais e concursos de roteiro, a exceção é “Jovens Infelizes”, de Thiago Mendonça, que afirmou ao Cine Festivais: “se o cinema se limitar aos festivais é a morte dos filmes...”.


Cleber Eduardo, crítico e curador da Mostra Tiradentes, em texto contido no site da Edição 2017, ressalta bastante a importância das plataformas digitais de exibição e distribuição, sendo a maior delas a Internet, as redes sociais e o Youtube.  Também defende que a abertura da Mostra Tiradentes para esses grupos de produtores se dá para que se apresente ao saber público a realidade de que há, inclusive diferença estética e de tema. Ele diz: “Defendemos a hipótese de que, no cinema brasileiro, o cinema mais imediato, realizado com pouco dinheiro, com equipes de militantes pelo cinema mais que por profissionais inseridos na atividade, reage mais rapidamente, talvez mais diretamente, às vezes mais esteticamente. Esse é nosso ponto.”
            Tiradentes destacou-se entre os festivais de cinema dos últimos 10 anos por assegurar um espaço para os espíritos e práticas independentes, ou dependentes acima de tudo da paixão em grupo pelo fazer cinematográfico, como reação alternativa aos modos formais e de produção considerados convencionais (editais, leis de incentivo, concursos de roteiro).

Heitor Augusto, crítico independente de cinema, em entrevista à revista Cine Festivais, após ter sido parte do júri da Mostra, incentiva essa efervescência criativa de produção e de surgimento de espaços e oportunidades de diálogo cinematográfico que estoura no país. Segundo ele, é hora de sair do conforto da lamentação. “Acho que a gente está no conforto da lamentação ainda. ‘Ah, não tem’. Não tem por que e o que a gente pode fazer?”.
Para a Bueiro Aberto, os festivais ainda são um horizonte inatingível. No entanto, isso não é um problema. Entre todo o debate apresentado, nos localizamos junto àqueles que buscam espaços alternativos, cursinhos populares, espaços culturais, Mostras Independentes, Cineclubes, exibições em faculdades, escolas, e outros locais possíveis. Também temos como meio de difusão a Internet.
Se formos selecionados para um Festival, pois muito bem, participaremos sem nenhum problema. Entretanto, não é esse caminho que trilhamos preferencialmente. Buscamos o público geral, popular. Queremos diálogo, queremos ser assistidos, entendidos, queremos que as pessoas se emocionem com nossos filmes. Em suma, não queremos fazer filmes para festivais, mas para pessoas.

1 – CPB – Certificado de Produto Brasileiro Conferido aos filmes Brasileiros; DRT – Certificado de Profissionalização; CNPJ – Registro Cadastral de Empresa Brasileira.


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Entrevista completa com o produtor Alexandre Leão

 Entrevista e Transcrição por Daniel Neves
Fotografia por Renato Queiroz


Morador da cidade de Guarulhos e membro do coletivo Polissemia

GUETO – METRAGEM: Alê, até parece repetitivo, mas a gente sempre procura abordar a treta que é distribuir um filme independente. Chega a ser tão tenso que olhamos a produção como algo fácil, difícil mesmo é fazer nossos filmes chegarem às pessoas. E você tá nesse corre de exibir.

ALEXANDRE: Acho que a questão de distribuir se apresenta como evolução das atividades dos grupos independentes. Quando você começa, sua atenção toda é a produção, então acho que fazer os primeiros filmes e conseguir chegar até o fim é um grande desafio. À medida que isso vai consolidando, se coloca outro problema, que não é apenas de fazer o filme, mas que ele seja visto, de percorrer todo o caminho, de ser pensado, realizado, exibido, seja um filme comercial, seja os nossos que não tem esse caráter, pois não circulam nas redes comerciais, tem que fazer esse percurso. Essa evolução é positiva. Mas tem um lado negativo que é dramático, com a internet, fica tudo mais fácil, cê joga o filme lá e pronto, mas pra gente tem uma questão importante, de o filme estar também em sala de exibição, por mais que tenha todo esse desenvolvimento tipo Netflix, Youtube, Vimeo, ainda se tem a experiência de uma sala, isso é parte de quem produz, mas aí tem um problema muito grave, não é que a gente tá a margem, é a margem da margem, da margem, da margem, da margem, da margem, quer dizer, o cinema nacional, ligado a Globo Filmes, já está a margem da rede de distribuição que existe no país, ai você tem cineastas que estão a margem disso, se pega aí Kleber Mendonça Filho, por exemplo que foi pra Cannes com Aquarius, que teve cerca de 250 mil espectadores, pra gente é extraordinário, mas em termos de Brasil é muito pequeno. Então você tem esses caras, tem outros que estão mais a margem, tem aqueles que conseguem edital, tem as produtoras, e depois de várias outras camadas temos nós. Uma das saídas seriam os festivais, mas festival tem muita panelinha, então você fica num estágio desesperador. Talvez a gente devia ir por uma terceira via, acho que contra a indústria cultural, exibindo em espaços, quase como militante cinematográfico.

GUETO – METRAGEM: Sua atuação no cinema é até recente. Queria saber, o que te levou a fazer cinema, teve alguma coisa que te influenciou antes?

ALEXANDRE: Desde o tempo de escola, eu sempre vi muitos filmes e uma coisa que me inquietava era de entender como eles eram feitos. Esse interesse voltou depois numa época que eu tava em crise com minha vida, trabalho, estudo, numa biblioteca vi um panfleto de um curso de cinema da prefeitura, aí reacendeu a vontade, na hora que entrei no curso, assisti as aulas, fizemos um curta, aí me descobri, isso é o que eu quero. Era uma turma muito boa, assim, o curso não teve continuidade, mas muita gente levou adiante, as pessoas queriam fazer outros filmes, e fundamos o grupo Polissemia.

GUETO – METRAGEM: Esse curso marcou uma galera que começou a fazer.

ALEXANDRE: A gente sabe desse problema de política pública, mas o cinema é uma arte coletiva, mesmo que não tenha continuado, foi um encontro do pessoal. Nesse sentido, vamos criando uma comunidade de cinema em Guarulhos, essa troca de ideias é fundamental, um ajuda o outro.

GUETO – METRAGEM: E quais foram os filmes que vocês fizeram no Polissemia?

ALEXANDRE: O primeiro foi o “Necessidade Básica (2015)”, a Cláudia, que fez o curso com a gente, publicou numa rede social que queria filmar esse roteiro, aí várias pessoas colaram, do processo de produção desse filme nasceu o Polissemia. Ele veio de um relato que ela ouviu de uma médica acerca da precariedade da saúde pública. Depois fizemos alguns curtas de um minuto, depois filmamos “Tempos de Guerra (2016)”, e agora estamos finalizando “O Orgulho da Nação”.


GUETO – METRAGEM: Filmes sensíveis e difíceis de serem realizados. “Tempos de Guerra”, por exemplo, é um filme de época.

ALEXANDRE: A gente sempre acha que vai fazer o próximo mais simples, mas acaba por complicar ainda mais (risos). Cê chega e pergunta: Por quê que eu fui resolver fazer isso? Mas as dificuldades deram uma desenvoltura pro grupo, aprendemos a tentar financiar, a como se virar com móveis antigos que colocamos pra reproduzir os anos 40 nesse filme.

GUETO – METRAGEM: Você se deu muito bem com a produção. Essa área, no cinema comercial, é aquela que planeja e que administra os recursos, como é fazer produção no cinema independente?

ALEXANDRE: É outra pegada, por exemplo, você tem que tentar diminuir a diferença entre trabalho manual e trabalho braçal, não existe aqueles que mandam e aqueles que executam, todos pensam e fazem, tipo, na fotografia, se o cara traz a câmera, tá fazendo produção, o ator que traz suas roupas como figurino, na verdade, todo mundo tem de ser produtor, nesse caso, a produção está em realizar o filme de forma artística, não como na indústria, de ordem e comando, de hierarquia, de interesses econômicos diversos.Tá a serviço da arte, e você vai aprendendo as outras funções, é uma troca. Uma coisa que tem é a pessoa se envolver, comprar a ideia do filme, ir com você. Ao mesmo tempo cê tem as atribuições de produtor, de gerenciar atividades de pessoas, apesar dessa coisa horizontal, tem o vertical, a divisão de tarefas, datas, respeitar o espaço de cada um. Tem que equalizar esses dois aspectos.

GUETO – METRAGEM: Hoje, no Brasil, a forma de financiamento quase que única é através de editais públicos, que são extremamente burocráticos e competitivos, mas a gente também quer ganhar dinheiro no sentido de pagar os profissionais envolvidos, dificilmente o financiamento coletivo dá conta disso. Você vê alguma alternativa?


ALEXANDRE: Tenho pensado muito nisso, mas não tenho uma resposta, estamos fora do mercado e dessa forma não pagamos o filme, a gente gostaria de viver de cinema, mas acho que conforme as coisas vão se dando, as respostas vão aparecendo. O financiamento que temos é pra pagar certas despesas do filme, fizemos rifas, fomos pra internet. Mas o âmbito da profissionalização é um desafio.


GUETO – METRAGEM: E como você vê essa histórica dicotomia que se faz entre cinema da indústria e cinema de arte?

ALEXANDRE: Eu não vejo essa diferenciação. A própria história do cinema vai contra isso. Entendia - se o cinema como arte se fosse uma narrativa, contar uma história, a partir de um momento que um filme hoje faz isso ele já se constitui como arte. Assim como também há filmes ditos comerciais que são obras primas e outros ruins, há filmes ditos de arte bons e ruins. O cinema te oferece várias possibilidades. Havia o cinema narrativo, uma linguagem mais conhecida que em alguma época foi nova, veio o cinema experimental, que também tem seu valor, trouxe toda uma linguagem para ser explorada e que no futuro pode até virar dominante. Eu acho que não deveria se criar essa dicotomia no cinema independente porque o lugar dele é permitir essa variação, de filmes documentários, ficção, experimentais, é um lugar privilegiado, e o público tem outra relação conosco.

GUETO – METRAGEM: E como surgiu o Cineclube Incinerante?

ALEXANDRE: Ele não existiria fora dessa crescente produção em Guarulhos, no cinema digital como um todo, o cinema de quebrada, ele não surgiu como uma coisa planejada, a gente do Polissemia queria ver e debater filmes como parte da nossa atividade de fazer. E as coisas foram meio acontecendo, depois começamos a pensar em passar nossos filmes, os filmes dos outros coletivos, é itinerante porque a gente na época não tinha sede própria.

GUETO – METRAGEM: E agora temos a III Mostra de Curtas Guarulhenses, que terá três dias e exibirá diversas obras da cidade.


ALEXANDRE: Ela seguiu nesse mesmo rumo, juntamos os filmes de um pessoal numa exibição, depois decidimos fazer num outro ano, aí teve um público bacana e esse ano cresceu ainda mais, vamos até lançar a Revista Incinerante.


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Lançada a última edição (2017) do Zine Gueto Metragem


No sábado, dia 29/07, foi lançada no Teatro Padre Bento a quinta e última edição desse primeiro ciclo do projeto Zine Gueto - Metragem, que pretende voltar ano que vem com novas edições. E não poderia ter sido melhor, distribuímos os exemplares e conversamos com o público sobre o tema que retratamos, nesse mês, a importância de escrever sobre cinema. Tivemos exibição de 3 curtas e fechamos a noite com um debate feito por 4 cineastas independentes, sendo 3 que são redatores do Zine e outro que foi entrevistado por nós.


Existe uma efervescente produção que se desenvolve no Brasil por fora da indústria, falamos desses filmes e fomos atrás de cineastas que estão no corre. Obviamente, queremos um cinema que tenha mais condições, a precariedade não pode ser nosso orgulho, porém trouxemos aqui uma reflexão prática, não restrita ao que devemos ser, mas ao que somos, o que estamos fazendo.

Os textos que escrevemos foram guiados pelo princípio de fortalecer nossa produção. Tem também o intuito de divulgar outros nomes do cinema independente e incentivar novas pessoas a começar. Por outro lado, o Zine não se tratou somente de escrita, mas de encontro, as exibições que ocorreram nos lançamentos. Nesse ponto, agradecemos a parceria  com o Coletivo Polissemia através do Cineclube Incinerante.

Este foi o quinto evento em que conseguimos reunir um público diverso, rodando por diversos espaços e bairros da cidade de Guarulhos, gande SP.

Em breve, faremos uma última exibição na fábrica de cultura do Jaçanã, com lançamento de  todas as edições do Zine.