Publicado na Coluna "Quem vê nossos filmes?", terceira edição do Zine Gueto Metragem
Por Renato Queiroz
Por Renato Queiroz
Festival de Cannes;
Berlim; Moscou; o Oscar. Todos os interessados por Cinema já ouviram falar
desses grandes eventos. No Brasil há o prestigiado Festival de Gramado, o de
Brasília e muitos outros. Os Festivais de Cinema são grandes celebrações
cinematográficas, muitas vezes competitivas, que geralmente determinam
tendências estéticas e revelam novos nomes. São organizados por universidades,
empresas, governos, associações. Por vezes são divididos em diferentes
temáticas ou seções/níveis de produtores.
Todo produtor
independente tem a pretensão de submeter seus filmes ao crivo de um júri de
críticos profissionais, de uma plateia de cinéfilos. No entanto, há obstáculos
a serem considerados e que, de maneira alguma, podem ser ignorados.
Embora os Festivais e
Mostras se declarem democráticos e abertos a um número expressivo e
representativo de produtores de baixo orçamento ou independentes, muitas vezes
os critérios de seleção são como muros difíceis de saltar sobre por motivos
objetivos e subjetivos. Essas barreiras têm consequências sérias que impedem a
ampliação da autonomia material e artística do Cinema Brasileiro.
A elitização dos
festivais inicia-se na seleção dos produtores a serem exibidos, ainda mais em
suas etapas competitivas. Normalmente se exige CPB¹ dos filmes, CNPJ² das
produtoras, DRT³ dos profissionais envolvidos, entre outros critérios sectários
que excluem automaticamente a grande maioria do Audiovisual nacional, além, é
claro, das famosas panelinhas e do jogo de interesses econômicos e políticos
por trás das escolhas.
Hoje a caracterização filme de festival é comum, são os filmes de arte. É, na prática, fazer
filmes ao modo europeu para poder se situar nesse universo. O roteirista Newton Cannito em entrevista à
Revista de Cinema diz que “Filme de Arte virou gênero (...) dá até para
escrever um manual de roteiro para filme de festival.” E provoca questionando
se isso não seria apenas “autismo cultural financiado pelo Estado.”
Outro elemento
relevante levantado por Newton Cannito é a padronização temática do filme
nacional. Ou se fala do mundo dos ricos, de suas contradições morais, suas
angústias amorosas, ou se fala da favela, da violência, da sexualidade. Em sua
caracterização parece estabelecer uma dualidade entre o narcísico - a elite
fala de si - e a observação daquilo que é exótico - a elite fala da favela, do
pobre. Ele diz que “a elite cultural que consegue fazer cinema no Brasil
escolheu a periferia e a favela como seu fetiche.”
Assim, resta ao
produtor independente de fato buscar espaços em Mostras que sejam mais
democráticas, que sejam independentes também, na internet, em exibições
públicas autônomas e na construção de oportunidades.
A Mostra Tiradentes de Cinema inovou
em 2016 ao exibir o “Filme de Aborto”, longa independente dirigido por Lincoln
Péricles que, segundo ele mesmo, em entrevista à Revista Guia da Mostra, diz
que para fazer o filme usou-se “(...)
uma câmera Canon t3i, um gravador de som h6n. Gastamos aproximadamente 2000
reais, mas esse não é o valor exato que fecha a conta, pois todo mundo
trabalhou de graça e usamos equipamentos emprestados, se tudo isso fosse pago o
valor aumentaria, mas ainda assim seria um filme de baixíssimo orçamento”. Mesmo assim, os outros filmes da Mostra foram
quase todos financiados por editais e concursos de roteiro, a exceção é “Jovens
Infelizes”, de Thiago Mendonça, que afirmou ao Cine Festivais: “se o cinema se limitar aos festivais é a
morte dos filmes...”.
Cleber Eduardo, crítico
e curador da Mostra Tiradentes, em texto contido no site da Edição 2017,
ressalta bastante a importância das plataformas digitais de exibição e
distribuição, sendo a maior delas a Internet, as redes sociais e o Youtube. Também defende que a abertura da Mostra
Tiradentes para esses grupos de produtores se dá para que se apresente ao saber
público a realidade de que há, inclusive diferença estética e de tema. Ele diz:
“Defendemos a hipótese de que, no cinema brasileiro, o cinema mais imediato,
realizado com pouco dinheiro, com equipes de militantes pelo cinema mais que
por profissionais inseridos na atividade, reage mais rapidamente, talvez mais
diretamente, às vezes mais esteticamente. Esse é nosso ponto.”
Tiradentes
destacou-se entre os festivais de cinema dos últimos 10 anos por assegurar um
espaço para os espíritos e práticas independentes, ou dependentes acima de tudo
da paixão em grupo pelo fazer cinematográfico, como reação alternativa aos
modos formais e de produção considerados convencionais (editais, leis de
incentivo, concursos de roteiro).
Heitor Augusto, crítico
independente de cinema, em entrevista à revista Cine Festivais, após ter sido
parte do júri da Mostra, incentiva essa efervescência criativa de produção e de
surgimento de espaços e oportunidades de diálogo cinematográfico que estoura no
país. Segundo ele, é hora de sair do conforto da lamentação. “Acho que a gente
está no conforto da lamentação ainda. ‘Ah, não tem’. Não tem por que e o que a
gente pode fazer?”.
Para a Bueiro Aberto,
os festivais ainda são um horizonte inatingível. No entanto, isso não é um
problema. Entre todo o debate apresentado, nos localizamos junto àqueles que
buscam espaços alternativos, cursinhos populares, espaços culturais, Mostras
Independentes, Cineclubes, exibições em faculdades, escolas, e outros locais
possíveis. Também temos como meio de difusão a Internet.
Se formos selecionados
para um Festival, pois muito bem, participaremos sem nenhum problema.
Entretanto, não é esse caminho que trilhamos preferencialmente. Buscamos o
público geral, popular. Queremos diálogo, queremos ser
assistidos, entendidos, queremos que as pessoas se emocionem com nossos filmes.
Em suma, não queremos fazer filmes para festivais, mas para pessoas.
1 – CPB –
Certificado de Produto Brasileiro Conferido aos filmes Brasileiros; DRT –
Certificado de Profissionalização; CNPJ – Registro Cadastral de Empresa
Brasileira.
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