sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Participação feminina na VI Mostra Guarulhense de Cinema

POR JANAINA REIS

A Mostra Guarulhense de Cinema é um importante panorama do cinema independente em Guarulhos, esse ano ela chegou a edição de número 6, por seu caráter anual podemos dizer que são seis anos de mostra! Manter uma produção desse porte de forma independente é uma tarefa árdua que as pessoas que fazem parte desse evento tem cumprido com êxito, a cada ano temos novas produções, novos formatos e muitas reflexões.

(Fotos por Marina Pinto)

O número de produções saltou aos olhos nesta edição, 39 filmes entre curtas de diversos gêneros e um longa metragem de ficção. A pandemia  que parecia acabar com o sonho do cinema, aqueceu o cinema guarulhense dando-lhe novas caras e um novo formato para o seu principal evento, que além de 39 filmes, trouxe mesas de debate sobre cinema e lançamento da sexta edição do Zine Gueto Metragem. É nós somos difíceis de  derrubar! Mas, uma outra coisa saltou aos olhos nessa mostra, algo que é muito discutido por aí: a participação das mulheres no cinema. Eita! Senta que lá vem história...

As mulheres são historicamente lembradas no cinema como atrizes, como sex symbol, como aquela atriz casada com aquele diretor, como a donzela do filme que morre pra dar motivação pro herói. Dificilmente são lembradas como cineastas.  Algumas pesquisas apontam porém, que o cinema foi uma invenção feminina. É... aquela história do Meliés e do Viagem à Lua já foi contestada,  Alice Guy Blaché já tinha feito um filme de ficção seis anos  antes dele chamado A Fada com Repolhos, La Fée Aux Choux.

Acontece que o cinema virou atividade industrial então as mulheres que antes dominavam a produção cinematográfica foram depostas pelos homens, é o machismo varrendo mulheres brilhantes para debaixo do tapete e transformando as que sobraram em produtos vendáveis.

No Brasil, mesmo o cinema novo com todo seu caráter revolucionário, tem apenas uma mulher com uma produção considerada significativa, a cineasta Helena Solberg.

Nos últimos anos Hollywood escandalizou o mundo com inúmeras histórias de assédio sexual sofrida por profissionais mulheres. No Brasil não foi diferente, e os relatos foram desde grandes produções cinematográficas, televisivas até festivais.

Contudo, apesar de tantos debates em torno do assunto, as coisas não mudaram muito, continuam assediando as mulheres e a  produção cinematográfica assinada por mulheres ainda é tímida, o que não tem timidez é o machismo e o preconceito.  

Mas aqui, na segunda cidade mais populosa do estado de São Paulo, parece que as coisas são diferentes. Esse ano dos 39 filmes apresentados na VI Mostra Guarulhense de Cinema, 16+1 são dirigidos ou orientados por mulheres. São elas:

Angel Black (Nós das Ruas), Janaina Reis ( Nós das Ruas, Minha Vida em Quarentena, A Roda das Histórias, Cartas de um Poeta), Letícia Alves (Ruptura), May Alves (Tô Indo, Novo Normal), Ingrid Novak e Fernanda Campos (Dias de Glória), Fabiana Barbosa (Escravidão 2.0), BrumaBruna (_ Vermelho), Juliana Seabra (6 almas), Pâmela Regina (A Caixa Misteriosa), Reiko Otake (Nuvem Baixa e Impróprios), Pamy Rodrigues (Pelas Tuas Mãos), Isa Molica (Elos, as Teias), Fernanda Carvalho (Eu).

Além disso, as produções contam com mulheres na equipe e algumas histórias tem mulheres como protagonistas. No zine Gueto-Metragem tivemos três mulheres colunistas em uma equipe de 6 pessoas  nessa edição eu Janaina Reis, Pâmela Regina e Marina Soler. Na própria organização  da mostra a participação feminina aumentou, nessa edição somaram as manas Pâmela Regina, Lucimar Araújo, Cinthia Nicácio Manocchi Murata e Fernanda Campos, em uma equipe com 9 pessoas. E até no jornalismo quem defendeu a divulgação da mostra nos jornais foram Carla Maio e Thalita Monte Santo. 

O cinema guarulhense não é “eu" é “nós” disse isso na live de abertura da mostra, o cinema independente em Guarulhos é coletivo, ele se move pela força  do todo e qualquer pessoa é bem vinda. Lendo o artigo do camarada  Renato Queiroz aqui no blog vi que ele cunhou um termo interessante “cinema nosso", gostei e vou usar.

O cinema nosso é então um cinema que naturalmente rompe paradigmas, estamos na contra mão porque a mão desse mundo como está  não nos interessa, nem representa, logo, para nós é natural ver mulheres, homens, enfim,  pessoas onde elas quiserem, contando suas próprias histórias. E que venham mais!

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Mostra Guarulhense de Cinema 2020 faz história

 Cinema Nosso como síntese de múltiplas determinações.

Por Renato Queiroz

No nosso trabalho Netfake há um personagem, um cineasta gourmet, Jacan Luc Godard, que define profeticamente que Guarulhos nunca terá cinema real porque é uma cidade que fede, com um povo desprezível e sem cultura e que o nosso cinema é pobre e sem complexidade técnica. Evidentemente trata-se de uma caricatura que traça um corte entre o que é o elitismo cultural e a criação autêntica de um Cinema Nacional e Popular, para resgatar um termo que aparece nos debates do Cinema Novo.


Em uma das edições do Zine Gueto Metragem eu escrevi um texto que relembrava a canção de Caetano dizendo que escrever é preciso, filmar não é preciso. Aí eu apontava que era necessário que escrevêssemos sobre o que produzíamos e também escrever sobre o que assistíamos, sejam clássicos, filmes da grande indústria, cinema independente, filmes em sua diversidade. Defendi isso exatamente porque a grande ideia, acredito, seja a possibilidade de encontrarmos uma muito saudável multiplicidade de cinemas no meio do caminho. Síntese de múltiplas determinações.
Nós, a molecada de Guarulhos que ousou fazer cinema numa cidade sem políticas públicas e editais, criamos a possibilidade de escrever roteiros, de produzir, estudamos fotografia, iluminação, narrativa, atuação e finalmente, seja da maneira que for, encontramos os meios para realizar parte da pós produção, a edição e a montagem ao menos.
Encontramos, no entanto, dificuldades para distribuir os filmes, para acessar os espaços de circulação cultural e comercial do nosso trabalho, de se profissionalizar no sentido de gerar possibilidades de trazer o pão para nossa mesa mediante aquilo que sabemos e queremos fazer. Um caminho de resistência é oferecido pela companheirada do Cineclube Incinerante que do zero e sem apoio da prefeitura, a não ser quando esta queria receber algum reconhecimento sem o devido esforço, criou a belíssima Mostra Guarulhense de Cinema, que chega a sua VI Edição com uma diversidade enorme de produções, de produtores, de gêneros. Um panorama que, a cada dia mais, nos dá algum otimismo e coragem para continuar.
Para além disso, há também, hoje, um esboço mais bem elaborado de uma crítica do que gosto de chamar de Cinema Nosso, há uma variedade de mídias que debatem o Cinema da cidade, desde podcasts, trabalhos acadêmicos, canais no youtube, jornais, zine, revista, muita coisa que aponta destaques e impressões sobre essa cena. O nosso isolamento, enquanto exclusivamente “objetos de estudo”, está sendo rompido, passo a passo, e vê-se nascente uma crítica de nossa cena que também nos ajuda a entender essa multiplicidade.
Nesta VI Mostra, me alegrou muito poder entregar um documentário mais social, “ Nós das Ruas”; um mais cultural, “Um Dia de Várzea” – revisitando também o tema do futebol que gosto muito; uma ficção de suspense, “O Sentido da Morte”; e uma de comédia, “Netfake”, gênero o qual sempre flertei, mas ainda não tinha arriscado e creio que, em certa medida, tenha funcionado bem. Comédia que também foi explorada no filme “Minha vida em quarentena”, de Janaína Reis.
Falando nisso, me emocionaram bastante os documentários “Cartas de um Poeta” e “Roda das Histórias”, ambos filmes sensíveis, poéticos, voltados para a criação de narrações, seja por via caligráfica e mais solitária, como a do senhor Francisco Grosso e suas epístolas tão particulares, ou falada e coletiva como as histórias fortes e marcantes compartilhadas por aquele grupo de mulheres. A visão cinematográfica que congrega e busca similaridades nas suas linguagens também fica por conta da camaradíssima Janaína Reis.
“Tupinambá Subiu a Serra” é um filme social, com uma temática atual e que traz em voga um debate necessário e urgente sobre demarcação das terras indígenas, sobre a necessidade de uma convivência social que respeite a pluralidade e as particularidades dos povos indígenas dentro de sua compreensão de si mesmo. Mariátegui talvez nunca tenha sido tão atual, ainda mais depois da vitória popular na Bolívia e do desastre que é o governo brasileiro em diversos aspectos, e esse é mais um deles.
O grande filme da mostra, posso dizer, foi “Para Miguel, com Amor”, de Daniel Neves, o primeiro longa -metragem de ficção da Companhia Bueiro Aberto, um filme que assume tons épicos por vezes, mas singelo por outras, que fala de amor e de contradições do dia a dia, como vício em remédios ou fazer um trabalho de escola, mas que no final das contas acaba por ser um filme sobre o amor aos livros, sobre a luta pela educação pública no Brasil, sobre as contradições da falsa democracia conquistada na constituinte de 88, fala de contradições familiares profundas, sobre desilusão e recuperação da esperança.
Fiquei impressionado com a qualidade técnica de alguns filmes, como a fotografia e a captação de áudio do filme “O Auxílio” de Rafael dos Anjos, com uma narrativa divertida e interessante e a boa atuação do parceiro Thom Oliveira, também da Bueiro; o trabalho dos camaradas do coletivo Kinoférico com ótimos roteiros, montagem e atuação no filme “Dias de Glória” de Ingrid Novak e Fernanda Campos, que me lembrou o estilo de Spike Lee, ainda mais com aquele final apresentando dados da violência policial no Brasil, que foi talvez o ponto alto para mim como espectador, e “Ruptura”, com atuação infantil, o que é sempre um desafio, e que foi muito bem trabalhada, e discutindo um tema relevante sobre questões familiares.
Não quero me alongar em listas, pois minha memória faz com que eu corra o risco de ser injusto, então rapidamente cito o trabalho bastante experimental e sempre relevante de Moisés Pantolfi, com seu “Atual Auto – Retrato” e “Análise do Modelo Articulado”; André Okuma com participação em alguns trabalhos e “Nuvem Baixa”; o Cinema incômodo e necessário de Rubens Melo com “Sinfonia para o Vampiro” e “Coroa da Morte” ; a genial Juliana Seabra, que está na ficção científica “Escravidão 2.0”, de Fabiana Barbosa.
Todas essas múltiplas determinações formam o que hoje estamos ousando chamar de Cinema Guarulhense, o que me parece muito interessante como identificação regional e como ponto de convergência, que nos permita nos compreendermos enquanto categoria, artística e profissional, e assim alçarmos novas conquistas que começam a se desenhar de forma mais elaborada com os passos que estamos dando juntos, passos no sentido da profissionalização, da ampliação da distribuição, da ocupação dos circuitos dos festivais, de políticas públicas e da mais ampla garantia de liberdade criativa.
Um Grande Abraço e vida longa ao Cinema Nosso!

domingo, 25 de outubro de 2020

6ª edição do Zine Gueto Metragem

Fazemos cinema independente, na raça, vamos construindo um processo de imagens a partir de uma narrativa popular. Mas não basta só fazer, temos que debater, entender, surge o Zine Gueto Metragem, periódico e blog criado pela Companhia Bueiro Aberto. Críticas de filmes, compartilhamento de experiências, entrevistas, poesias, relatos, contos formam a diversidade de colunas.

Agora, em Outubro de 2020, durante a Sexta Mostra Guarulhense de Cinema, está sendo lançada a Sexta Edição do Zine Gueto Metragem, edição especial sobre o filme “Para Miguel, com Amor”, nosso primeiro longa metragem de ficção. Diante das reflexões que fazemos sobre cinema de quebrada, o Zine vai se definindo como um tripé que envolve formação, pesquisa e difusão. Discutir esse novo cinema que surge nos faz aprender a melhorar nossas produções, aprofunda a memória da nossa história e amplia a distribuição desses filmes.

Confira a edição:

 https://drive.google.com/file/d/17rG0WoqIMRFjR7fH4WJrXoFX6ewPs058/view

Debate de lançamento:

https://www.mostraguarulhensedecinema.com.br/p/lancamento-zine-gueto-metragem.html