Entrevista
e Transcrição por Daniel Neves
Fotografia
por Renato Queiroz
Morador da cidade de Guarulhos e membro do coletivo Polissemia
GUETO – METRAGEM: Alê, até parece
repetitivo, mas a gente sempre procura abordar a treta que é distribuir um
filme independente. Chega a ser tão tenso que olhamos a produção como algo
fácil, difícil mesmo é fazer nossos filmes chegarem às pessoas. E você tá nesse
corre de exibir.
ALEXANDRE: Acho que a questão de
distribuir se apresenta como evolução das atividades dos grupos independentes.
Quando você começa, sua atenção toda é a produção, então acho que fazer os
primeiros filmes e conseguir chegar até o fim é um grande desafio. À medida que
isso vai consolidando, se coloca outro problema, que não é apenas de fazer o
filme, mas que ele seja visto, de percorrer todo o caminho, de ser pensado,
realizado, exibido, seja um filme comercial, seja os nossos que não tem esse
caráter, pois não circulam nas redes comerciais, tem que fazer esse percurso.
Essa evolução é positiva. Mas tem um lado negativo que é dramático, com a
internet, fica tudo mais fácil, cê joga o filme lá e pronto, mas pra gente tem
uma questão importante, de o filme estar também em sala de exibição, por mais
que tenha todo esse desenvolvimento tipo Netflix, Youtube, Vimeo, ainda se tem
a experiência de uma sala, isso é parte de quem produz, mas aí tem um problema
muito grave, não é que a gente tá a margem, é a margem da margem, da margem, da
margem, da margem, da margem, quer dizer, o cinema nacional, ligado a Globo
Filmes, já está a margem da rede de distribuição que existe no país, ai você
tem cineastas que estão a margem disso, se pega aí Kleber Mendonça Filho, por
exemplo que foi pra Cannes com Aquarius, que teve cerca de 250 mil
espectadores, pra gente é extraordinário, mas em termos de Brasil é muito
pequeno. Então você tem esses caras, tem outros que estão mais a margem, tem
aqueles que conseguem edital, tem as produtoras, e depois de várias outras
camadas temos nós. Uma das saídas seriam os festivais, mas festival tem muita
panelinha, então você fica num estágio desesperador. Talvez a gente devia ir
por uma terceira via, acho que contra a indústria cultural, exibindo em
espaços, quase como militante cinematográfico.
GUETO – METRAGEM: Sua atuação no cinema
é até recente. Queria saber, o que te levou a fazer cinema, teve alguma coisa
que te influenciou antes?
ALEXANDRE: Desde o tempo de escola, eu
sempre vi muitos filmes e uma coisa que me inquietava era de entender como eles
eram feitos. Esse interesse voltou depois numa época que eu tava em crise com
minha vida, trabalho, estudo, numa biblioteca vi um panfleto de um curso de
cinema da prefeitura, aí reacendeu a vontade, na hora que entrei no curso,
assisti as aulas, fizemos um curta, aí me descobri, isso é o que eu quero. Era
uma turma muito boa, assim, o curso não teve continuidade, mas muita gente
levou adiante, as pessoas queriam fazer outros filmes, e fundamos o grupo
Polissemia.
GUETO – METRAGEM: Esse curso marcou uma
galera que começou a fazer.
ALEXANDRE: A gente sabe desse problema
de política pública, mas o cinema é uma arte coletiva, mesmo que não tenha
continuado, foi um encontro do pessoal. Nesse sentido, vamos criando uma
comunidade de cinema em Guarulhos, essa troca de ideias é fundamental, um ajuda
o outro.
GUETO – METRAGEM: E quais foram os
filmes que vocês fizeram no Polissemia?
ALEXANDRE: O primeiro foi o “Necessidade
Básica (2015)”, a Cláudia, que fez o curso com a gente, publicou numa rede
social que queria filmar esse roteiro, aí várias pessoas colaram, do processo
de produção desse filme nasceu o Polissemia. Ele veio de um relato que ela
ouviu de uma médica acerca da precariedade da saúde pública. Depois fizemos
alguns curtas de um minuto, depois filmamos “Tempos de Guerra (2016)”, e agora
estamos finalizando “O Orgulho da Nação”.
GUETO – METRAGEM: Filmes sensíveis e
difíceis de serem realizados. “Tempos de Guerra”, por exemplo, é um filme de
época.
ALEXANDRE: A gente sempre acha que vai
fazer o próximo mais simples, mas acaba por complicar ainda mais (risos). Cê
chega e pergunta: Por quê que eu fui resolver fazer isso? Mas as dificuldades
deram uma desenvoltura pro grupo, aprendemos a tentar financiar, a como se
virar com móveis antigos que colocamos pra reproduzir os anos 40 nesse filme.
GUETO – METRAGEM: Você se deu muito bem
com a produção. Essa área, no cinema comercial, é aquela que planeja e que
administra os recursos, como é fazer produção no cinema independente?
ALEXANDRE: É outra pegada, por exemplo,
você tem que tentar diminuir a diferença entre trabalho manual e trabalho
braçal, não existe aqueles que mandam e aqueles que executam, todos pensam e
fazem, tipo, na fotografia, se o cara traz a câmera, tá fazendo produção, o
ator que traz suas roupas como figurino, na verdade, todo mundo tem de ser
produtor, nesse caso, a produção está em realizar o filme de forma artística,
não como na indústria, de ordem e comando, de hierarquia, de interesses
econômicos diversos.Tá a serviço da arte, e você vai aprendendo as outras
funções, é uma troca. Uma coisa que tem é a pessoa se envolver, comprar a ideia
do filme, ir com você. Ao mesmo tempo cê tem as atribuições de produtor, de
gerenciar atividades de pessoas, apesar dessa coisa horizontal, tem o vertical,
a divisão de tarefas, datas, respeitar o espaço de cada um. Tem que equalizar
esses dois aspectos.
GUETO – METRAGEM: Hoje, no Brasil, a
forma de financiamento quase que única é através de editais públicos, que são
extremamente burocráticos e competitivos, mas a gente também quer ganhar
dinheiro no sentido de pagar os profissionais envolvidos, dificilmente o
financiamento coletivo dá conta disso. Você vê alguma alternativa?
ALEXANDRE: Tenho pensado muito nisso,
mas não tenho uma resposta, estamos fora do mercado e dessa forma não pagamos o
filme, a gente gostaria de viver de cinema, mas acho que conforme as coisas vão
se dando, as respostas vão aparecendo. O financiamento que temos é pra pagar
certas despesas do filme, fizemos rifas, fomos pra internet. Mas o âmbito da
profissionalização é um desafio.
GUETO – METRAGEM: E como você vê essa
histórica dicotomia que se faz entre cinema da indústria e cinema de arte?
ALEXANDRE: Eu não vejo essa
diferenciação. A própria história do cinema vai contra isso. Entendia - se o
cinema como arte se fosse uma narrativa, contar uma história, a partir de um
momento que um filme hoje faz isso ele já se constitui como arte. Assim como
também há filmes ditos comerciais que são obras primas e outros ruins, há
filmes ditos de arte bons e ruins. O cinema te oferece várias possibilidades.
Havia o cinema narrativo, uma linguagem mais conhecida que em alguma época foi
nova, veio o cinema experimental, que também tem seu valor, trouxe toda uma
linguagem para ser explorada e que no futuro pode até virar dominante. Eu acho
que não deveria se criar essa dicotomia no cinema independente porque o lugar
dele é permitir essa variação, de filmes documentários, ficção, experimentais,
é um lugar privilegiado, e o público tem outra relação conosco.
GUETO – METRAGEM: E como surgiu o
Cineclube Incinerante?
ALEXANDRE: Ele não existiria fora dessa
crescente produção em Guarulhos, no cinema digital como um todo, o cinema de
quebrada, ele não surgiu como uma coisa planejada, a gente do Polissemia queria
ver e debater filmes como parte da nossa atividade de fazer. E as coisas foram
meio acontecendo, depois começamos a pensar em passar nossos filmes, os filmes
dos outros coletivos, é itinerante porque a gente na época não tinha sede
própria.
GUETO – METRAGEM: E agora temos a III
Mostra de Curtas Guarulhenses, que terá três dias e exibirá diversas obras da
cidade.
ALEXANDRE: Ela seguiu nesse mesmo rumo,
juntamos os filmes de um pessoal numa exibição, depois decidimos fazer num
outro ano, aí teve um público bacana e esse ano cresceu ainda mais, vamos até
lançar a Revista Incinerante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário